MALCATA: O ENTERRO DE J.N.R.J.
Que memórias tenho
da Sexta-feira Santa em Malcata?
As minhas são as de um jovem, nascido
nos anos 60, que até aos 11 anos vivia na comunidade malcatenha.
Nesses tempos, a religião católica é
que determinava e orientava os comportamentos dos aldeões, pessoas
trabalhadoras, respeitadoras das leis da Igreja e dos políticos que mandavam no
nosso país. Quem sabia escrever e ler, por vezes entendia a vida de modos
diferentes da maioria, por eles não saber ler e escrever.
O povo era muito crente e muito
devoto. A igreja, aos domingos e nas festas religiosas, enchia-se de fiéis,
rezavam, cantavam, iam às procissões e às confissões. Eram tempos bem
diferentes!
E na Sexta-Feira Santa, tudo era
escuro e triste. Os adultos cumpriam os preceitos decretados pela Santa Madre
Igreja Católica Apostólica Romana, mesmo os mais ricos, que não se importavam
de pagar a bula e assim ter carne na mesa. Já nessa época, o pobre obedecia e o
rico buscava forma de mostrar quem mandava na vida dele. Eu, nunca entendi essa
diferenciação de religiosidade e de catolicismo.
Nesta Sexta-Feira Santa, entrar na
igreja matriz era como se estivesse a entrar numa catacumba escura e só de ver
o caixão em cima do altar-mor, assustava qualquer um que ali fosse sozinho ao
meio da tarde. Não se via nenhum dos santos dos altares, porque estavam cobertos
com panos escuros, penso que roxos. O enorme caixão preto e os véus rendilhados
de tecido também preto e umas rendinhas brancas, parecia mesmo que estávamos a
participar no enterro de Cristo.
E as mulheres? Lembro a figura da
minha mãe e das outras santas mulheres, vestidas de roupas negras, da cabeça
aos pés, algumas seguravam nas mãos, o seu terço de contas preto e crucifixo prateado,
entravam devagar, paravam junto à pia de água benta e mergulhavam nela os dedos
da mão direita e benziam-se para depois seguir pela coxia central e sentarem-se
no banco.
As cerimónias marcavam ainda mais a
celebração e à medida que a narração da História se ia desenrolando, aumentava o
desconforto emocional dos participantes. E a procissão do enterro? Tudo se
tornava difícil de levar até ao fim. Os homens que levavam o caixão sabiam o
quanto ele era pesado e tinham que parar várias vezes para colocar uns paus que
lhes permitia ganhar fôlego para continuar. Dar voltas à aldeia era doloroso e
a entrada na igreja faziam-no num silêncio sepulcral. As pessoas iam para as
suas casas de cabeça baixa, de cara tapada com o xaile preto, subiam as
escaleras e entravam mudas. Os lavradores ainda passavam pela loja, ver como
estava o ambiente e depois de dar um jeito na cama do gado, despejam um punhado
de feno para a manjedoura e iam descansar para junto da mulher.
Mas que dia este de Sexta Feira Santa!
E hoje, ainda será assim ?
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