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28.4.19

ACABAR COM A CORJA


  
Quem está certo?
   Nasci em Malcata, mas até poderia não ter nascido sequer, nasci no lugar onde a minha mãe vivia. Como ela vivia na aldeia de Malcata, foi lá que eu nasci. Desde os meus onze anos que abalei da aldeia para estudar, mas nem por isso me considero estrangeiro ou um estranho quando estou em Malcata. Sinto orgulho e honra de ser malcatenho, filho de gente honrada, trabalhadora, humilde e eu apesar de estar a viver há muitos anos na cidade, sempre me interessei pela aldeia onde nasci, procuro conhecer melhor as suas gentes, os seus modos de vida, os seus lugares e a história que os acompanha e procura tudo o que seja importante para a sua própria identidade, a actual, a que já foi e que em muitos momentos da minha vida eu mesmo vivi, senti e até já transmiti às minhas filhas Inês e Sara. Da história desta aldeia recordo-me de algumas vivências de infância, outras que me foram contadas pelo meu pai e pela minha mãe. Foram tempos difíceis, alguns muito difíceis mesmo e nem o frio, a chuva e o vento conseguiram até hoje fazer desaparecer o lugar onde tudo começou para mim.
   Todas estas palavras são a minha resposta a algumas pessoas, tão malcatenhos como eu ou até menos, que continuam a acreditar nas histórias que lhes contam ao ouvido, como o grupo da “Corja”, enquanto caminham por ruas e bêcos da aldeia ou se sentam na praça atentos a tudo o que mexe à sua frente, portas e janelas que abrem ou fecham e não se dão sequer ao trabalho de verificar se a história que lhes contaram é falsa ou verdadeira. Eu não tenho vergonha das minhas origens e tenho um carinho especial por Malcata, pelas gentes e os lugares. Como sou pessoa que penso e não acredito em todas as histórias que me contaram e me contam ou pelo passarinho que pousou no meu ombro, tenho mostrado o outro lado da história e muitas vezes tenho sido criticado e enxovalhado apenas por mostrar que nem todas as histórias são como as contam e até estão cheias de falsidades e omissões.
   Continuarei a mostrar o bom e o mau e a contar histórias para cada um de nós tenha a oportunidade de se questionar, de se dar ao trabalho de verificar se a história é verdadeira ou falsa.
   Não esqueço os sacrifícios que viveram os meus pais e muitos dos vossos. Tempos difíceis que eles viveram. Na aldeia não havia água canalizada, nem luz eléctrica, nem todos podiam ir para a escola a aprender a ler e a escrever, viveram uma vida inteira a assinar com o dedo indicador borrado com tinta, iam aos mercados montados em burros, tinham que semear para comer e criar animais se queriam leite, queijos, carne, estrume e dinheiro sempre que vendiam. Vivia-se numa pobreza e numa simplicidade que ainda hoje muitos de nós não conhecemos. Foi a sua resiliência e a sua fé, o trabalho onde o houvesse, acreditaram e quiseram que os seus filhos fossem para a escola e não passar a infância a guardar gado, ou tomar conta dos irmãos mais novos. Na escola aprendemos a escrever e a ler e muitos pais projectaram o seu futuro nos êxitos escolares dos filhos que hoje são médicos, engenheiros, advogados, juízes, tesoureiros, motoristas, electricistas, investigadores, gestores…que na sua grande maioria, deixaram o lugar onde tudo começou e ainda hoje lá habitam, já idosos, sozinhos ou no lar, passam os dias a olhar para o azul do céu e a ouvir a missa e o terço. Não compreendo muitos deste filhos que mal se viram com o canudo debaixo do braço, apagaram o seu passado, não querem saber das suas origens e
a aldeia já nada lhes diz ou lembra.
   Tudo isto para deixar aqui o meu testemunho, a minha história e o meu desabafo para com os que dizem que pertenço a um grupo de “corjas”.  Sou filho de família honrada, não sou ladrão nem vadio, nem desordeiro. Amo e não esqueço ou escondo as minhas origens e perdoem-me aqueles que não se revêem nos maus malcatenhos.
                                                                            José Nunes Martins
                                                                                   josnumar@gmail.com