MALCATA 2014 - A FESTA
Há certos acontecimentos nas nossas vidas que, por serem demasiado marcantes, devem servir de exemplo e de reflexão para todos e cada um de nós.
As Festas de verão em Malcata é um desses casos. Trata-se de um acontecimento que pela sua importância e o impacto que causa nas pessoas, ficam a fazer parte da história de Malcata.
Tenho a certeza que já ocorreram factos durante as Festas de Malcata que marcaram quem os protagonizou e aqueles que assistiram ao seu desenvolvimento. Já sabemos, que até à década de sessenta, as festas tinham lugar na igreja e no adro. E no ano em que os mordomos decidiram mudar para o Rossio, padre e alguns paroquianos, não ficaram agradados e terá havido ali alguns desentendimentos de parte a parte.
Há uns anos atrás, lembro-me das conversas dos mordomos acerca dos bailes e dos conjuntos de música e da recomendação que o padre Lourenço lhes fazia: os bailaricos e tudo o que não fosse de caracter religioso só podia começar no fim das pregações na igreja. Os mordomos cumpriam essa ordem do padre e o povo também acatava, apesar de alguns não gostarem lá muito, pois, muitas vezes, as cerimónias demoravam mais tempo do que o previsto e o recinto das festas estava sem ninguém, o bar não fazia dinheiro, etc.etc.
Para que não fique dúvida nenhuma, desejo aqui deixar bem claro que este meu apontamento não visa, de forma nenhuma, atingir, maliciosa ou injustamente, o pároco actual, o Pe.Eduardo. Não é meu propósito denegrir quem quer que seja, mesmo que supostamente pudessem haver razões para tanto. O meu objectivo é tão somente levar as pessoas de Malcata, incluindo os mordomos, a uma reflexão sobre as Festas de Malcata.
A verdade é que o senhor padre este ano tomou algumas atitudes menos correctas. Foi um erro, mas que lhe pode custar caro e que ele começou já a pagar ao ser desprezado por alguns mordomos e outras pessoas do povo. Dirão que essas pessoas que confrontaram o padre Eduardo não têm esse direito e deviam seguir o que ele lhes dizia para fazer, que a festa é da igreja, que quem manda na igreja é o padre, etc.,etc. Sejamos razoáveis e coloquemo-nos cada qual no seu lugar. Conta-se que na véspera da festa, portanto no sábado, o padre apareceu na igreja e falou com os mordomos dando indicações acerca da organização da procissão com os santos e na forma ordenada que os participantes deveriam ter em conta, ou seja, participarem na procissão caminhando em duas filas, uma de cada lado da rua, em silêncio e não junto aos andores. Outra indicação que receberam os mordomos nesse mesmo momento terá sido um pedido também feito pelo senhor padre que consistia em colocar os santos no adro da igreja enquanto decorreria a Missa Solene, obtendo mais espaço no interior do templo para permitir que mais pessoas entrassem para participar nas cerimónias. Ora este movimentar dos andores nunca se faz em Malcata e foi difícil ouvir e acatar essa ideia do padre. Se o ambiente estava crispado, piorou quando os mordomos ouviram as palavras do padre dando a entender que os santos que estavam nos andores não eram mais do que umas estátuas de madeira. Caiu o Carmo e a Trindade, entornou-se o caldo por completo. E parece que para ajudar à “missa” alguns elementos da Fábrica da Igreja apoiavam a atitude do padre Eduardo. Lá se entenderam, ou pelo que sei, os santos participaram, como sempre participaram. Ninguém os retirou da igreja para o adro, a igreja e o adro encheram-se de pessoas.
Estamos no século XXI, dizem que vivemos num regime democrático e livre. Voltando, por instantes, aos anos 50 e 60, época da ditadura. Na nossa aldeia e nas outras, para além da ditadura, a Igreja tinha um peso enorme e isso sentia-se nas pessoas. Muitas vezes, os padres ditavam ordens, em forma de avisos, muitas vezes no final das missas dominicais, que as pessoas eram forçadas a acatar. E caso não o fizessem, eram apontadas como “rebeldes” e poderiam vir a sofrer severas penalizações impostas pelo regime político que detinha o poder e aquelas ameaças de irem para o inferno, caso desobedecessem. Viviam num ambiente do “mando, posso e quero”.
Os mais velhos recordam que, salvo raras excepções, a Igreja Católica portuguesa, no tempo do Cardeal Cerejeira, amigo de Salazar, andava de mãos dadas com o seu Governo. Por isso, nada de surpreendente, o facto de alguns padres terem praticado excessos, cometeram certos abusos. E em Malcata, onde a maioria trabalhava na agricultura e vivia dela. Sabe Deus como, porque as dificuldades eram muitas e o trabalho era mais manual, mais à custa da força humana.
Mas a verdade é que, apesar de pobres e por vezes passando menos bem, o povo de Malcata sempre gostou de festejos. Malcata era um povo pobre, mas alegre. Podiam as pessoas sentir-se cansadas do trabalho nos campos e mal comidas, mas as festas tinham que ser feitas. À festa de verão, novos, velhos e as crianças, não podiam faltar.
Nesses tempos, a festa da aldeia era algo de muito importante. Hoje é difícil explicar esse sentimento aos mais novos. Apesar deles ainda virem a Malcata por altura da festa, antigamente era o maior encontro do povo. Era quase uma “obrigação” dos malcatanhos que vivem fora de Malcata virem à terra para marcar presença na festa. Tal como no passado, também hoje todos se divertem e confraternizam com os amigos e família. Ainda continua a ser o evento que mais gente traz à aldeia. No passado, vinha mais gente das aldeias mais próximas como aquelas que vinham do Meimão, das Alagoas ou da Aldeia de Santo António. Todos procuravam a diversão e conviviam uns com os outros. Reparem que nessa época as diversões eram poucas, a televisão ainda era a preto e branco e Malcata só teve luz eléctrica a partir de 1965.
Voltando às festas de Malcata, depois da mudança do adro da igreja para o Rossio, dado o êxito obtido, os mordomos não arrepiaram caminho e o adro ficou completamente apagado das festas. Apesar da oposição de alguns e dos avisos do Pe.Lourenço para que houvesse respeito pelas cerimónias religiosas e a constante chamada de atenção aos mordomos para que a festa no Rossio só tivesse início depois das pregações, os festejos ainda hoje lá continuam.
Escusado será dizer que a festa deste ano correu bem. O dia amanheceu, houve a tradicional procissão com os santos à volta do povo, celebrou-se a Missa Solene e a tarde foi animada pelo Ramo, Banda de Música e à noite baile animado.
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