O PADRE QUE É PROFESSOR E BOMBEIRO
CÉSAR : PADRE, professor, bombeiro voluntário.
Na edição de 10 de Setembro de 2009 do jornal A GUARDA ( semanário) podemos ler a entrevista que este órgão de comunicação fez ao sacerdote César António Cruz Nascimento, actual pároco de Malcata e de outras terras. Aqui está a entrevista:
César António da Cruz Nascimento – Coordenador do Ensino da Igreja nas Escolas do Departamento do Secretariado Diocesano da Educação Cristã
|
“Muitas Direcções Escolares dificultam o trabalho do professor de Educação Moral Religiosa Católica”
César António da Cruz Nascimento é o actual Coordenador do Ensino da Igreja nas Escolas do Departamento do Secretariado Diocesano da Educação Cristã, na Diocese da Guarda. Desempenha também as funções de pároco de Casteleiro, Malcata, Meimão, Moita e Santo Estêvão.
Nasceu em Viseu por opção da mãe que é oriunda daí, embora os pais residissem na Covilhã. Foi registado na freguesia de S. Martinho (Covilhã) onde viveu até aos 8 anos, passando depois para Alcaria. Foi ordenado sacerdote em 2 de Julho de 2000.
A Guarda: Quem é César António da Cruz Nascimento?
César Nascimento: Defino-me não por aquilo que faço mas por aquilo que sou. Nasci em Viseu por opção da minha mãe que é oriunda daí, embora os meus pais residissem na Covilhã. Fui registado na freguesia de S. Martinho (Covilhã) onde vivi até aos meus 8 anos. Mais tarde os meus pais iriam residir para Alcaria (Fundão), onde ainda aí permanecem. Defino-me como um transeunte nesta vida onde procuro buscar a essência do meu eu, apoiado no humanismo, ética e fé cristã. Sou amante da vida e do ser humano.
A Guarda: Qual a sua ligação à Diocese da Guarda?
César Nascimento: Actualmente tenho a missão de Coordenador/Director do Departamento Diocesano do Ensino Religioso Escolar na diocese da Guarda, tenho a meu cargo seis paróquias (Malcata, Santo Estêvão, Meimão, Casteleiro, Moita e Vale da Senhora da Póvoa) e lecciono EMRC – Educação Moral e Religiosa Católica- no Sabugal e sou bombeiro voluntário na secção de Penamacor em Meimão (pese o facto de ter pouco tempo disponível para o voluntariado).
A Guarda: Como é que foi o seu percurso académico?
César Nascimento: A escola primária foi realizada na Covilhã (Externato de Stª Maria e na Escola Primária do Refúgio) e mais tarde Alcaria. O primeiro ano do Cíclo ( 5º ano) foi na Telescola de Alcaria. No ano lectivo de 1985/86 entrei para o 6º ano de escolaridade no Seminário Menor do Fundão onde aí concluí o 9º ano. Entrei para o Seminário Maior da Guarda para frequentar o ensino Secundário e aí concluí o Curso de Teologia. Porque o Seminário não conferia a habilitação de licenciatura em Teologia, matriculei-me na Universidade Católica do Porto onde me foi conferida a respectiva licenciatura no ano 2000 (com tese subordinada ao tema “História da Formação Presbiteral e a implementação do II Concílio do Vaticano nos Seminários da Diocese da Guarda”. Mais tarde matriculei-me no Mestrado em Educação na UBI – Universidade da Beira Interior tendo concluído a Pós-Graduação. No ano em que ia realizar e elaboração e defesa da tese na referida universidade fui nomeado Coordenador/director deste departamento tendo adiado a conclusão da mesma. Neste momento encontro-me matriculado no curso de Profissionalização em Serviço em Ciências Religiosas em Viseu.
A Guarda: E o percurso como sacerdote?
César Nascimento: Após a minha saída do Seminário Maior da Guarda fui colocado em Estágio Pastoral na Paróquia de S. Miguel da Guarda, enquanto estudava na Universidade Católica Portuguesa no Porto. Após estágio o sr. D. António nomeou-me como membro da Equipa Formadora do Seminário Menor do Fundão onde permaneci quatro anos e nessa permanência fui ordenado presbítero no ano de 2000. Durante esse tempo fui colaborador ainda nas paróquias de Castelejo, Souto da Casa e fiz parte da Equipa do Pré-Seminário. Em 2002 fui nomeado pároco das freguesias de Alfaiates, Rendo, Malcata e Meimão, Mais tarde seria ainda nomeado para Nave em acumulação. Durante 3 anos fui ainda vigário paroquial de Aldeia Velha, Aldeia do Bispo, Lageosa, Forcalhos, Aldeia da Ponte, Bismula, Badamalos e Vilar Maior. Vivi em comunidade com um colega sacerdote em Aldeia Velha (concelho de Sabugal), sendo ele também vigário paroquial das paróquias a mim confiadas. Em 2005 sendo já bispo da nossa diocese da Guarda o sr. D. Manuel fui transferido e novamente nomeado para as paróquias de Malcata e Meimão em conjunto com Santo Estêvão, Moita e Casteleiro. Mais tarde acrescia-se a paróquia do Vale da Senhora da Póvoa, tendo fixado residência na freguesia de Malcata até agora.
A Guarda: E como professor?
César Nascimento: Quando em 1998 fui nomeado membro da Equipa Formadora do Seminário Menor do Fundão leccionei HGP (História e Geografia de Portugal) e Área projecto. Desde o ano 2002 que lecciono a disciplina de EMRC (tendo estado no primeiro ano a leccionar no Colégio da Cerdeira e nos demais anos nas escolas oficiais do Sabugal).
A Guarda: O que é e para que serve o Departamento do Secretariado Diocesano da Educação Cristã?
César Nascimento: O DDERE, Departamento Diocesano do Ensino Religioso Escolar serve para coordenar o ensino de EMRC nas escolas oficiais e privadas que se encontram na diocese. Tem por missão a colocação/nomeação, orientação e formação contínua dos professores da disciplina. É o órgão diocesano que serve de entreposto entre o Ministério de Educação e as Escolas no que concerne ao ensino religioso católico. Superintendido pelo bispo diocesano e pelo Coordenador/Director, este departamento é o órgão de responsabilidade legal do Ensino Religioso perante o ME (Ministério da Educação).
A Guarda: Quem é que pode ser professor de Educação Moral Religiosa Católica?
César Nascimento: Para se ser professor da disciplina de EMRC é necessário ter habilitação própria na área (licenciatura em teologia ou em ciências Religiosas). Como na diocese não existe número suficiente de professores com essa habilitação temos de recorrer a professores de outras áreas. Com a legislação actual, o Departamento está a fomentar a ideia de que todos os professores rapidamente tenham todos a habilitação própria com a respectiva profissionalização, sem a qual não poderão leccionar a disciplina. Além destes requisitos terão de ter idoneidade, compromisso de vida cristã. Um professor de EMRC não pode ser um simples professor que chega à Escola e “descarrega” os conteúdos programáticos e vem-se embora. Tem de procurar estar envolvido com toda a Comunidade escolar e dar um contributo para a humanização da Escola.
A Guarda: Quais as principais dificuldades que encontram os professores de Educação Moral Religiosa Católica?
César Nascimento: Encontram-se dificuldades em várias frentes. A disciplina é facultativa e como tal a sua apresentação é diferente. Muitas vezes as crianças e jovens colocam em questão a utilidade de se inscreverem na disciplina e muitas outras vezes são os próprios encarregados de Educação. Muitas Direcções Escolares dificultam o trabalho do professor de EMRC nomeadamente colocando o seu Estatuto em causa e elaborando horários que obrigam a grande ginástica mental e física ao professor. Existem escolas que não cumprem os decretos-lei e despachos, emanados do Ministério da Educação, quer na constituição de turmas quer na atribuição do horário ao professor. O número ainda elevado dos professores que não possuem habilitação própria, por vezes a falta de dinâmica, o desalento criado ao longo dos tempos pela falta de motivação e de alegria, são causas que vêm de dentro. A sociedade secularizada, a visão de que a disciplina é uma “aula de catequese”, a pouca importância dada aos valores e conhecimento da fenomenologia religiosa, tornam a missão do professor de EMRC um autêntico desafio.
A Guarda: Para este ano lectivo, há muitos alunos inscritos na disciplina de Educação Moral Religiosa Católica?
César Nascimento: Neste momento ainda não nos é possível averiguar o número de alunos, mas pelas nomeações já efectuadas podemos concluir que houve um aumento visível das turmas para a leccionação da disciplina.
A Guarda: Considera que os padres deveriam estar mais ligados ao ensino ou não é necessário?
César Nascimento: O Departamento do Ensino Religioso Escolar abrange apenas as aulas de EMRC nas escolas. Neste momento dos 50 professores de EMRC pertencentes a este departamento apenas quatro padres e um diácono leccionam a disciplina não sendo nenhum efectivo. Há dioceses em que os padres constituem a maioria do corpo docente não sendo essa a aposta para esta diocese. Já temos muitos leigos com formação na área, muitos já efectivos à escola. O ensino requer cada vez mais uma formação e habilitações específicas e pedagógicas. Porque o ensino “prende” cada vez mais os professores às escolas, é normal que os padres não consigam ter disponibilidade para tal. Aliás o ensino de EMRC nas escolas deve ser prioridade de quem cumpre essa missão. Contudo e porque vivemos numa sociedade alheada aos valores da cultura judaico-greco-cristã, penso que os padres deveriam estar presentes nos vários âmbitos da sociedade civil. Um “padre para uma paróquia” já não é modelo de apresentação. A paróquia está alargada a um conjunto vasto na actividade humana e o padre terá de acompanhar essa mudança. Penso por isso que deveria haver sempre padres ligados ao ensino, não apenas religioso mas nas várias áreas do saber. Creio que mostrariam melhor ao mundo que estavam presentes na vida e na actividade humana. É necessário ter coragem para formar os padres em várias áreas da formação humana para que o curso de teologia não caia num vazio intelectual e possa correlacionar-se com outras fontes do saber. Pior do que o medo de ter padres com habilitações, cursos e formações distintas deveria ser o medo de ver um padre acomodado a um grau académico em teologia e fechado em si mesmo, não aproveitando esse curso para “dialogar” com outros saberes.
A Guarda: Como é que vê a actual falta de padres na Diocese da Guarda?
César Nascimento: Há dois factores. Um Externo e um interno. O factor externo diz-nos que vivemos numa sociedade pós-moderna onde o relativismo impregnado faz com que tudo o que tenha a haver com dados não experimentados onde não se pode re/tirar proveito imediato para usufruto não tenham valor. O imediato, o individualismo, a crise de valores, a crise de identidade cultural e religiosa leva a um afastamento de tudo o que fale de Deus. Ao mesmo tempo pode-se apontar razões de ordem interna. O modelo de padre apresentado não atrai, a sobreposição da utilidade prática na gestão diocesana ofusca a identidade do ser individual como único e irrepetível. O padre deixou de ter o status que tinha em outras décadas e não sabe agora o lugar que ocupa. A libertação do estereotipo que se tinha poderia ajudar o padre de hoje a encontrar novas formas e maneiras de desenvolver a sua missão. Para isso é determinante que cada um se encontre antes de mais como pessoa humana e só depois ocupar um lugar com uma missão específica na Igreja. O facto de neste momento vivermos um período de mudanças torna-se imperativo que se saiba o que se pretende do padre hoje em dia. O que é que os fiéis e o mundo pretendem dele e o que é que a Igreja também quer.
É preciso definir o modelo de padre, não nos esquecendo que terá sempre de haver lugar para a auto-criação e recriação. O modelo não pode ser imposto de “cima” mas tem de ser sensibilizado e enraizado na realidade da vida. Existem questões tais como o celibato obrigatório que deveriam ser revistas e serem bem ponderadas. Quando somos crianças sonhamos ser aquilo que mais nos atrai e mais chama a nossa atenção. Teremos de ser atractivos para um mundo que necessita de padres mas não dos padres que tantas vezes queremos impor.
A maior parte das dioceses do país e um pouco por todo o mundo ocidental sente a falta de vocações sacerdotais, mas teremos de nos concentrar na nossa própria diocese e reflectir seriamente sobre essa questão. A diocese da Guarda, na década de sessenta e setenta, sentiu uma profunda crise vocacional e as razões não são muito distintas daquelas que hoje vivemos. Basta parar, olhar e reflectir. No meio de tantas causas para a falta de padres na nossa diocese encontramos razões que nos são distantes mas não podemos ignorar o que passa debaixo do nosso tecto e todos nós, começando por quem tem maiores responsabilidades na orientação diocesana, deveríamos reconhecer a nossa culpa e o erro para apontarmos novos caminhos, concretos, objectivos, realistas e com visão de futuro.
Comentários
Enviar um comentário
Comentários: