Malcata já foi uma
aldeia cuja população era de pessoas remediadas, viviam daquilo que as suas
terras produziam. A maioria da população passava os dias a trabalhar nos campos
a que chamavam “chão” e se havia grandes lavradores, com grandes áreas de terra
arável, a maioria cultivava pequenas leiras e até as juntas de vacas tinham
dificuldade em fazer uma boa sementeira, dadas as pequenas dimensões do “chão”.
As famílias mais abastadas precisavam de mão de obra e havia algumas pessoas
que trabalhavam aos dias, ou à jorna, por isso lhes chamavam jornaleiros. Estas
pessoas trabalhavam para outros porque não tinham terras como possuíam os
lavradores.
Além destas duas actividades,
lavradores e jornaleiros, havia muitos pastores de cabras, carvoeiros,
carpinteiros, sapateiros, moleiros, tecedeiras, costureiras…
Hoje as coisas são bem diferentes e a
festa que se fazia na Páscoa, por exemplo, vestir roupa nova, é um costume já
esquecido. Umas semanas bem antes da Páscoa, as costureiras começavam a receber
os pedidos para um vestido novo, uma saia ou um par de calças. O processo
começava na compra do tecido nos comércios, na ida à costureira, nas duas
provas, como se pode ver, era um processo demorado, mas o importante de tudo,
era estar pronto a tempo de o vestir no dia da festa.
Era assim o dia a dia dos habitantes
da aldeia. E sempre que morre alguém, toda a aldeia comenta com tristeza a
perda, mostram-se tristes pelo que aconteceu. Então durante a Semana Santa, quando
amanheciam os dias a tristeza tomava conta dos rostos e das nossas próprias
acções.
As tradições de Páscoa em Malcata são
carregadas de simbologias religiosas. De Quinta-Feira até Domingo, nos meus
tempos de meninice e que eu vivia na aldeia noite e dia, a Procissão do Senhor
dos Passos e a Procissão do Enterro do Senhor, que acontecia entre a igreja
paroquial e percorria as principais ruas da freguesia, destaco aquele momento
evocativo do encontro de Jesus “Senhor dos Passos” com a sua Mãe “Nossa Senhora
das Dores”, que o pregador convidado, fazia de viva-voz durante uns 20 minutos,
pelo menos.
Guardo ainda na minha memória em que
também participava nas cerimónias da Semana-Santa na aldeia. As procissões, as
canções e as roupas negras escuras, ainda mais tristeza se sentia no ar, no
olhar e falar das pessoas.
Havia um som que ouvia pelas ruas da
aldeia que só acontecia pela altura da Páscoa. O barulho era tão arrepiante que
se ouvia ao longe, rompia o silêncio e a calma até dos gatos.
Lembram-se do tocar das matracas? E do sacristão que andava pelas ruas a chamar
as pessoas para as cerimónias religiosas na igreja? Como é que as matracas
conseguiam fazer tanto
barulho e muito estranho de ouvir? Por muito que o sacristão ensinasse como se
deviam tocar, poucos lhe ganhavam o jeito para abanar um bocado de tábua e
fazer bater o ferro na madeira.
Como não se tocavam os sinos, era ao som das matracas que o sacristão fazia
aquele sacrifício de percorrer as ruas e no fim da terceira volta, o padre dava
início às cerimónias na igreja.
A Páscoa é celebrada em tempo de
Primavera, com dias mais compridos, mais quentes, os campos começam a renascer
do frio do Inverno, veem as flores, as papoilas e as árvores enchem-se de flores.
Também a própria natureza costuma vestir roupa nova.
Um olhar atento ao que se está a
passar na natureza e a participação consciente e de desprendimento, podem ser
sinais externos da nossa ressurreição. Basta olhar e captar o que Jesus nos
quer dizer com a morte, o sofrimento, a paixão pela vida, pelas flores, pelos
sinos a tocar em rebate festivo. Porque a vida na Terra se constrói com coisas
simples…alegres e belas também.
José Nunes Martins
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