AINDA HOJE É PRECISO PARTIR



António, é preciso partir!

O moleiro não fia,
a terra é estéril,
a arca vazia,
o gado minga e se fina.
António, é preciso partir!
A enxada sem uso,
o arado enferruja,
o menino quer pão,
a tua casa é fria;
É preciso emigrar!
O vento anda como doido,
levará o azeite;
a chuva desata noite e dia,
inundará tudo;
e o lar vazio,
o gado definhado,
a morte e o frio
por todo o lado,
só a morte, a fome e o frio
por todo o lado,
António!

É preciso embarcar!
Badalão, badalão!
O sino já chora a despedida.
Os juros crescem;
o dinheiro e o rico
não têm coração.
E as décimas, António?
Ninguém perdoa-que mais para vender?
Foi-se o cordão,
foram-se os brincos,
foi-se tudo!
A fome espia o teu lar.
Para quê lutar
com a braveza da terra,
com a indiferença do céu,
com tudo, com a morte,
com a fome, com a terra,
com tudo!
Árida, árida a vida.
António, é preciso partir.
António partiu.
E em casa, tudo ficou sem jeito,
desamparado, vazio,
ficou a solidão.

Autor: Fernando Namora,in As Frias Madrugadas






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