sábado, maio 03, 2025

O GRANDE APAGÃO

                             


   A vida das pessoas está dependente de muitas interligações e comunicações. Todos gostamos de ver o chão que calcamos, seja de dia ou de noite, num quarto de hotel ou na sala lá de casa.
O que aconteceu, no passado dia 28 de Abril, foi que a luz eléctrica falhou e todo o país ficou em choque, sem electricidade, tudo foi falhando c desmoronando com se fosse um castelo de cartas. Fui à rua saber as razões de não podermos acabar de estufar a carne que eu já havia provado e que ainda precisava de mais cozedura até ficar no ponto rebuçado.
   Portugal estava sem energia eléctrica, quem a tinha é porque estava ligado a um gerador ou carro eléctrico com 100% de carga nas baterias. Os corredores de casa e o WC entrávamos devagarinho aos apalpões até sentir que já nos orientávamos. Os vizinhos, coitados, um casal jovem, que vinha com as sacas cheias de compras do supermercado, olharam para as portas
dos dois elevadores e viram o sinal vermelho, ambos avariados e ali parados no rés do chão. E agora? Perguntaram um ao outro. Sem elevadores, há que ganhar vontade e força para chegar ao 5º Esquerdo Frente. Não tinham outra alternativa e iniciaram a subida sem mais comentários.
    Há muito que não vivia coisa igual, mas se a máquina do tempo pudesse voltar aos anos de 1968, 1969. 1970, em muitas aldeias deste nosso país, que hoje tanto se orgulha das energias verdes, seja produzidas pela velocidade dos ventos e o calor dos raios solares, apagões eléctricos, eram tantos que não têm conta e nem sequer ficaram registados. No Inverno, o frio, a chuva, a neve e o vento forte ou um trovão mais forte, era suficiente para apagar as lâmpadas e nada do que estivesse ligado às tomadas funcionava. Como nesse tempo não havia telemóveis, não havia internet, o povo da aldeia aguardava que a luz voltasse. Estes apagões não eram assim tão assustadores como o do 28 de Abril. As lâmpadas não acendiam e durante o tempo que demorasse a chegar a luz, as pessoas descansavam, sentavam-se ao lume e faziam caraba uns aos outros, iam continuar o trabalho no chão e no pior dos cenários, ao fim do dia quando chegassem a casa, quem sabe a luz já tinha voltado. Os constrangimentos causados pela falha da luz aceitavam-se como normais e até compreendiam que quando estavam os emigrantes na aldeia, o consumo aumentava logo e sobrecarregava a linha que não aguentava, queimava os fusíveis da cabine, a única que distribuía a luz para toda a aldeia.
   Até nestas coisas, nas falhas de luz, quem vive ou viveu numa aldeia do interior do nosso país, foi achando normal isso acontecer.
   Se a luz faltava, a vida na aldeia continuava e tudo ficava igual, só não acendiam as lâmpadas. Muitos nem deram conta que houve um grande apagão, trabalharam como noutro dia qualquer.

sábado, abril 19, 2025

NA PÁSCOA EM MALCATA TOCAVAM AS CAMPAINHAS E OS SINOS:ALELUIA!

 

   O mês de Abril tem sido bastante chuvoso, com ventos fortes nos montes e grande ondulação no mar. Neste Sábado de Aleluia o sol já deu um pequeno ar da sua graça. Agora mesmo, ouço a água da chuva a bater com força nas vidraças das janelas, um final de dia bastante invernal. Para assustar só falta ouvir os trovões.
   Lembra outras Páscoas que passei na aldeia, com muita chuva e relampejos que assustavam toda a gente. Na Páscoa, as pessoas , mesmo as que estavam longe, apareciam na aldeia para assistir às cerimónias religiosas e passar o domingo de Páscoa com a família.
    A Páscoa era antecedida da quaresma e os três dias anteriores ao Domingo da Ressurreição, eram vividos como se estivéssemos a participar num funeral, com cantos e rezas tristes, as pessoas andavam os dias mais recolhidas, com roupas escuras sobre o corpo, de lenço preto na cabeça e xailes pretos, todas as mulheres eram iguais, dificultando imenso saber-lhes os nomes sem falar com elas.
   As minhas lembranças de criança guardo-as como se fossem um filme a preto e branco, das cerimónias dos Passos do Senhor e da Procissão do Enterro do Senhor, que despia por completo o interior da igreja paroquial. Não ficava um santo, todos eram retirados e a luz das velas criavam um ambiente que a mim me metia medo. Detestava o som das matracas, aquilo não era nada bom de ouvir, nada a ver com o som dos sinos, mas o sacristão estava proibido de subir ao campanário, tinha que andar a tocar as matracas, os sinos só depois da missa da Aleluia, a missa da vigília pascal, em que levávamos para a missa campainhas e chocalhos para fazer barulho assim que o senhor prior desse o sinal lá do altar! Aquilo sim, campainhas e chocalhos, sinos e sinetas anunciavam a Vida, a Ressurreição e cantava-se Aleluia, Aleluia.
   Os rapazes, no final da missa de Sábado de Aleluia, corriam para o campanário e esperavam a sua vez de agarrar nos dois badalos e tocar os sinos até dar a vez a outros. O tocar dos sinos da igreja era a forma mais audível de anunciar a Ressurreição, a vitória da Vida sobre a Morte.
   Nas minhas memórias de infância não se encontram cenas da Visita Pascal ou do Compasso. Essa tradição que, é antiga em muitas terras, na nossa aldeia não assisti e penso que nunca fez parte das celebrações da Festa da Páscoa. Mas a propósito do Compasso ou da Visita Pascal, tenho
lembranças de um Domingo de Páscoa em que vesti a batina e com mais dois homens que me acompanharam, durante o dia entrámos nas casas das pessoas desejar boas festas. E lembro-me que o homem da cruz, a certa altura, já o dia ia a meio, saiu-se com estas palavras para mim: “Ó sr. Padre,
tenha cuidado porque pode tombar”. E em minha defesa veio o dono da casa e disse: “Parece-me que ali o Manel Coxo já não se equilibra lá muito bem! Olha se tendes que ir todos ao balão…
   De facto o homem já andava com alguma dificuldade e às vezes notava que ele perdia o equilíbrio, mas ele replicou e disse:
_ Ó Kim, fica tranquilo e descansado porque eu já sou coxo há muitos anos…                          


quinta-feira, abril 17, 2025

AS MATRACAS QUE NOS ASSUSTAM

 


   Malcata já foi uma aldeia cuja população era de pessoas remediadas, viviam daquilo que as suas terras produziam. A maioria da população passava os dias a trabalhar nos campos a que chamavam “chão” e se havia grandes lavradores, com grandes áreas de terra arável, a maioria cultivava pequenas leiras e até as juntas de vacas tinham dificuldade em fazer uma boa sementeira, dadas as pequenas dimensões do “chão”. As famílias mais abastadas precisavam de mão de obra e havia algumas pessoas que trabalhavam aos dias, ou à jorna, por isso lhes chamavam jornaleiros. Estas pessoas trabalhavam para outros porque não tinham terras como possuíam os lavradores.
   Além destas duas actividades, lavradores e jornaleiros, havia muitos pastores de cabras, carvoeiros, carpinteiros, sapateiros, moleiros, tecedeiras, costureiras…
   Hoje as coisas são bem diferentes e a festa que se fazia na Páscoa, por exemplo, vestir roupa nova, é um costume já esquecido. Umas semanas bem antes da Páscoa, as costureiras começavam a receber os pedidos para um vestido novo, uma saia ou um par de calças. O processo começava na compra do tecido nos comércios, na ida à costureira, nas duas provas, como se pode ver, era um processo demorado, mas o importante de tudo, era estar pronto a tempo de o vestir no dia da festa.
   Era assim o dia a dia dos habitantes da aldeia. E sempre que morre alguém, toda a aldeia comenta com tristeza a perda, mostram-se tristes pelo que aconteceu. Então durante a Semana Santa, quando amanheciam os dias a tristeza tomava conta dos rostos e das nossas próprias acções.
      As tradições de Páscoa em Malcata são carregadas de simbologias religiosas. De Quinta-Feira até Domingo, nos meus tempos de meninice e que eu vivia na aldeia noite e dia, a Procissão do Senhor dos Passos e a Procissão do Enterro do Senhor, que acontecia entre a igreja paroquial e percorria as principais ruas da freguesia, destaco aquele momento evocativo do encontro de Jesus “Senhor dos Passos” com a sua Mãe “Nossa Senhora das Dores”, que o pregador convidado, fazia de viva-voz durante uns 20 minutos, pelo menos.
   Guardo ainda na minha memória em que também participava nas cerimónias da Semana-Santa na aldeia. As procissões, as canções e as roupas negras escuras, ainda mais tristeza se sentia no ar, no olhar e falar das pessoas.
   Havia um som que ouvia pelas ruas da aldeia que só acontecia pela altura da Páscoa. O barulho era tão arrepiante que se ouvia ao longe, rompia o silêncio e a calma até dos gatos.
Lembram-se do tocar das matracas? E do sacristão que andava pelas ruas a chamar as pessoas para as cerimónias religiosas na igreja? Como é que as matracas conseguiam fazer tanto
barulho e muito estranho de ouvir? Por muito que o sacristão ensinasse como se deviam tocar, poucos lhe ganhavam o jeito para abanar um bocado de tábua e fazer bater o ferro na madeira.
Como não se tocavam os sinos, era ao som das matracas que o sacristão fazia aquele sacrifício de percorrer as ruas e no fim da terceira volta, o padre dava início às cerimónias na igreja.
   A Páscoa é celebrada em tempo de Primavera, com dias mais compridos, mais quentes, os campos começam a renascer do frio do Inverno, veem as flores, as papoilas e as árvores enchem-se de flores. Também a própria natureza costuma vestir roupa nova.
   Um olhar atento ao que se está a passar na natureza e a participação consciente e de desprendimento, podem ser sinais externos da nossa ressurreição. Basta olhar e captar o que Jesus nos quer dizer com a morte, o sofrimento, a paixão pela vida, pelas flores, pelos sinos a tocar em rebate festivo. Porque a vida na Terra se constrói com coisas simples…alegres e belas também. 
                                                                        José Nunes Martins