O SACRIFÍCIO NECESSÁRIO
Cada vez que sei de notícias de que na aldeia se vai fazer qualquer coisa que ajude a manter e a preservar as tradições, os costumes e as memórias da aldeia, fico contente. Infelizmente faz-se muito pouco nesse sentido.
Desta vez na aldeia vão recordar uma das tradições mais marcantes para as famílias do mundo das aldeias, a matança do marrano (porco). E nada melhor que uma fatia de pão com uma fêvera por cima e um copo de vinho que ajude a empurrar!
Trabalho fundamental para tudo aproveitar |
Tenho ainda
memórias das matanças que se faziam na aldeia onde nasci. Lembro-me das horas
que era preciso para fazer a matança, era tão demorada que levava um dia
inteiro.
Actualmente quase que desapareceu esta
tradição familiar de criar um porco para matar. E quando alguém decide criar o
porco, a matança é feita em moldes diferentes e os métodos já não são os
mesmos. Continua a ser dia de festa e de muito trabalho e por aqui fica.
A tradição e o costume de sacrificar
um animal só o compreendemos se enquadrarmos essa tradição e esse costume no
tempo e nas circunstâncias da época, conhecer o modo de vida familiar e
comunitário de uma aldeia rural. Quem não nasceu na aldeia, quem cresceu fora
de uma comunidade rural, com facilidade acha uma matança uma acto condenável,
uma tradição que pouco tem de boas-práticas e sim uma atitude cruel das pessoas
para com o animal. Quem vive no meio “civilizado” das cidades, estão habituados
a comprar carne nos talhos, seja no da sua rua ou o do supermercado. Compram
todo o tipo de carne e nem se interrogam dos procedimentos que foram
necessários para os produtos chegarem aos pontos de venda.
A sociedade sempre acompanhou a
evolução do mundo. Adaptamo-nos a novos métodos, a novos hábitos alimentares, a
consumir sem ter que assistir ou conhecer a origem do que comemos. E esta adaptação acontece não apenas na
alimentação, mas também assumimos modas novas de vestir-nos, de viajar, de
criar e de sobreviver…
Mas, a carne de porco que compramos no
talho, é diferente da carne de porco que uma família obtém de um porco criado e
alimentado durante um dado período e fazer a matança quando chega o momento? Quando
vamos comprar carne, paramos o carro para reflectir ou pensar se o método de
abate para matar o porco no matadouro é indolor, é prazeroso para o animal e
para o trabalhador do matadouro? Provavelmente a morte é rápida, sem dor e sem
faca. E quem faz o acto é herói ou assassino? Na aldeia, ao homem que metia o facalhão
directo ao coração, chamavam-lhe “matador”! Não conheci matador que tenha sido
preso ou condenado pela justiça! O povo ficava descansado e tranquilo quando o
matador fazia um bom trabalho e o animal ficava-se à primeira.
Os meus parabéns à iniciativa levada a cabo pela preservação das memórias dos nossos antepassados.
Na nossa aldeia ninguém mata um porco por prazer. Antigamente a necessidade de ter carne para todo o ano, para uma família, o dia da matança era dia de festa e de convívio. E poder ter carne para todo o ano, desde carne branca, chouriças, chouriços, morcelas, farinheiras, bucho, presunto, pernil, tudo naquele animal era aproveitado.
Numa terra como é a nossa, a matança do porco é parte da nossa identidade e da nossa memória. Espero que esta tradição continue por muitos e muitos anos, a bem da nossa identidade cultural. Saibamos todos preservar bem o que é mais importante na nossa aldeia.
José Nunes Martins
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