sexta-feira, janeiro 24, 2020

MALCATA: VAMOS CONVERSAR?



   De Malcata guardo muitas memórias de infância, boas, marcantes, como aquelas de brincar na rua coisa que hoje é uma coisa que se vê pouco na aldeia. Ia a pé para a escola. Isso não tem preço. E ter crescido junto da minha mãe e os avós a uns passos foi algo que marcou a minha vida. Tive sempre a presença da minha mãe. Não tive a mesma sorte com o meu pai. Eu nasci no ano em que ele emigrou para terras de França. Saiu da aldeia em busca de dinheiro para poder oferecer uma vida melhor à família. Se não fosse por isso, tenho a certeza que escolhia ficar na sua casinha, viver uma vida mais próxima de sua mulher e dos seus filhos.
    Malcata ainda continua a ser terra de emigrantes e de imigrantes. Porque será? Porque não mudam as coisas na freguesia, na nossa região? Há tanto território por explorar, penso até que a nossa freguesia ainda não aprendeu a aproveitar a sua riqueza natural, a sua natureza, o petróleo que muitos procuram e não encontram.
   Malcata tem nome nacional e internacional porque criaram à sua volta a Reserva Natural da Serra da Malcata. Hoje a nossa aldeia possui dezenas de quilómetros de margem com água da albufeira e tem continuado a crescer de costas para o magnífico espelho de água. Malcata tem hoje nas suas mãos e ao seu redor mais condições para ser uma atração de investimentos.  Basta pensar nas potencialidades que a albufeira da barragem e da Reserva Natural, naquilo que é hoje e o que pode ser no futuro. É tudo uma questão de visão e estratégia para contrariarmos o imobilismo, o deixar andar e quem quiser que apareça e meta as mãos na massa.
   Sempre gostei de voltar a Malcata, de regressar às minhas origens, é a forma que eu encontrei para não deixar apagar as memórias do sítio onde nasci. É verdade que eu também abalei e deixei a aldeia. Cresci e tenho vindo a somar várias experiências profissionais, conheci muitas pessoas, andei por muitos lugares, molhei os pés na água do mar e brinquei com a neve lá para Espanha. Há pessoas que sabem onde vivo com a minha família e outras que nem sabem se trabalho ou se me reformei.
   Nasci em Malcata e foi o local onde tudo começou. A minha vida tem sido dividida pela aldeia e pela área em redor da cidade do Porto, Matosinhos e às vezes, Viana do Castelo.
   O novo ano começou com o acender da esperança de mudança e no querer acreditar que estamos bem orientados para a concretização dos dois investimentos que a Junta de Freguesia tem em mãos. Refiro-me ao rebanho das “Cabras Serranas” e ao “Centro Interpretativo do Lince”. E se a vontade não esmorecer, embalados pelo querer cumprir o prometido, agendamos uma visita à Sala das Memórias e entramos com mais largueza na Rua de Baixo.
   A ver vamos e o que desejo, é que seja feita a vontade do povo, vontade assumida e alicerçada no diálogo, na informação objectiva e clareza que se exige nestas coisas de administrar a coisa pública para o bem-estar da comunidade.

                                                                                  José Nunes Martins
 



segunda-feira, janeiro 20, 2020

MALCATA INTEGRA A UO7 DO PDM

Plano Director Municipal a necessitar de mudanças

   São muitas as diferenças que existem entre as cidades e as aldeias. E a forma de ocupação do solo é uma delas. Nas cidades existe um ordenamento e um planeamento muito mais cuidado, coisa que nas nossas aldeias é quase inexistente. Está aqui uma das razões de muitas aldeias se terem desenvolvido à vontade de cada um, muitas vezes sem preocupação com qualquer tipo de estudo ou planeamento. Contudo, as aldeias são parte do nosso país e precisam de ser preservadas, pois são parte da história de Portugal.
    A aldeia de Malcata é uma aldeia com a sua própria história, com as suas vias de comunicação, os seus campos, as suas tapadas e as suas hortas. A nossa aldeia tem que ser ela e compreender as suas origens, o seu desenvolvimento e com os olhos no futuro, pensar na aldeia que gostaríamos de continuar a desenvolver. 
   É à população de Malcata que compete envolver-se no planeamento do território e para que isso aconteça, precisamos que o poder local, nomeadamente a Câmara do Sabugal e a Junta de Freguesia, sejam os primeiros a esforçar-se por compreender as pessoas, as nossas tradições, os nossos costumes e envolvam a toda a população e a utilizem como parte fundamental para o desenvolvimento harmonioso da aldeia.
   Quem em Malcata já ouviu falar da sigla UO7 (Unidade Operativa 7)? 
    E quem já leu e compreendeu a Carta de Ordenamento para a aldeia de Malcata?
  Está disponível na página da internet da Câmara Municipal do Sabugal, mas merecia mais divulgação, não só esta parte como todo o Plano Director Municipal do Município do Sabugal.
  Acalmem-se e relaxem, tenho quase a certeza de que as pessoas das outras nove aldeias que fazem parte da nossa UO7 também desconhecem este documento. É um documento importante e orientador do que podemos e devemos fazer, ou não fazer, ao nosso território, aos recursos que nele existem e às potencialidades que ele oferece, dando-lhes bom uso, sem acabar com eles, com a consciência de deixarmos uma aldeia melhor para as gerações futuras.
                                                                                                           José Nunes Martins
  


UMA ESCOLHA DIFÍCIL


 
   Na manhã daquele domingo tudo mudou. A queda e os pedidos de auxílio foram os sinais que lhe indicaram que algo não estava tão bem até aqui. Esquecimentos, confusões com os dias da semana, pouca vontade de comer e confundir as horas das refeições já nele acontecia às vezes. Mas naquela manhã o tremer daquele corpo magro e frágil pôs à vista a segurança e o bem-estar daquele homem.
   Naquele domingo já não foi à igreja e ficou sentado numa cadeira junto à lareira, olhando de vez em quando para a cerimónia da missa que estava a ser transmitida pela televisão.
   Aquilo não tinha acontecido, não podia ter acontecido, mas aconteceu e sou invadido com uma carrada de perguntas. Tinha prometido a mim mesmo que ia retribuir nesta fase da vida dele, o amor e o carinho que recebi durante estes anos de vida, sem esconder que entre os dois, por causas ligadas à emigração e à minha abalada da aldeia, sentia que ainda nos podíamos dar a conhecer melhor um ao outro. Não era eu que o impediria de ir para outra casa, para a minha lá para o norte ou para a da minha irmã mais lá para o sul, sempre se mostrou sem vontade de voltar a deixar a casa, as suas coisas, as suas rotinas e não queria deixar as conversas com os vizinhos amigos, que às tardes se encontravam à sombra do castanheiro que ele viu crescer. Estava bem e ali é que ele se sentia como se sente o peixe dentro de água.
   Cada vez que o lar vinha ao de cima das conversas, o seu comportamento alterava-se e os seus gestos mostravam isso mesmo, o desejo de continuar na sua casa e com as suas rotinas. Não se imaginava a viver sem total liberdade individual, mesmo conhecendo a instituição e as pessoas que nela trabalham. Os horários para viver a sua vida, sejam da hora de levantar, de comer e voltar para a cama, sempre viveu, comeu e dormiu quando o corpo o pedia, principalmente depois de regressar da França.
   Chegou o dia de eu regressar para junto da minha esposa e das minhas filhas. Fui sem muita vontade, mas tinha que ser, pois sabia que o meu pai ia estar bem acompanhado pela minha irmã. Combinámos que dentro de dias eu regressaria para junto dele, pois tinha tempo para isso e ela tinha que ir trabalhar.
   O meu telefone tocou à noite e fiquei a pensar na mensagem que recebi. Conclui que aquela manhã de domingo ainda mexia com o homem, pois aceitou de bom grado a ida para o Centro de Dia e o regresso a casa para dormir. Fiquei espantado com esta decisão dele, mas se era a sua vontade, eu só tinha que a respeitar e compreender.
   Mais surpreendido me deixou ao saber que nesse mesmo dia, atreveu-se a perguntar se naquela noite, naquela primeira noite já ia dormir no lar!
   Que passou nos últimos dias do mês de Dezembro? Muitas coisas e parece que ele as compreendeu mais depressa e melhor do que eu. Sabia que no Natal tinha companhia e veio a saber depois que eu, para poder prestar auxílio à minha esposa que, por infortúnio, havia partido o pé em dois sítios, estaria longe dele durante bastante tempo, portanto a melhor opção era ir para onde não queria, mas as circunstâncias o obrigavam a ir para não passar outra vez por momentos de aflição naquela casa tão fria e sem mais ninguém.
    Então nesse dia de Dezembro, deixou tudo como estava, levou a roupa que tinha vestida e por obra e graça do senhor Moreira, que desistiu da sua entrada no lar, com os apoios e ajudas da instituição, ocupo o quarto onde agora descansa e dorme.
    Vou aguardar pela segunda oportunidade de o visitar, de o abraçar e ficar mais convencido do acerto da decisão que ele tomou, sem esquecer o empurrão que recebeu para lá chegar mais rápido.
                                                                                                       José Nunes Martins