O Natal na minha aldeia sempre foi presépio
grande na igreja e uma grande fogueira no adro da igreja. Ainda hoje se mantém essa
tradição. A fogueira lembra-me a preparação para enfrentar o frio e a chuva do inverno
rigoroso que se sente, mas também um velho costume que cabia aos jovens
arranjarem a lenha para a fogueira. Acendia-se antes de começar a Missa do Galo
e depois era ao seu redor que ali ficavam as pessoas a cantar, a comer e beber,
principalmente jovens rapazes e homens. O ano passado observei durante algum
tempo a construção da fogueira. Já não é como era, deixou de ter graça e passou
quase a ser uma obrigação assumida pelos mais adultos, talvez para não deixar
desaparecer a tradição da fogueira de Natal. Os jovens são ou não desafiados a
participar na montagem da fogueira? Não compreendo a sua ausência e o seu pouco
interesse em manter esta tradição.
Antigamente juntavam-se os jovens e
alguns, mas poucos adultos, manhã cedo, lá iam com os carros puxados com juntas
de vacas em busca da lenha para a fogueira. O malcatenho José Rei escreveu no
seu livro Malcata e a Serra esta passagem:
"Noutros tempos competia aos
mancebos que já tinham ido à inspecção militar arranjar os madeiros para a
fogueira e garantir que a mesma ardia até ao nascer do sol. Habitualmente, os
madeiros (grandes troncos e raízes de castanheiro) eram colocados no adro da
igreja com antecedência, sendo a lenha de atear arranjada ao fim da tarde da
noite da consoada. Uma vez que a lenha escasseava, quando a hora de fazer a
fogueira se aproximava, os donos das casas tratavam de acautelar os paus que
tinham nos currais, deixando apenas à vista o molho de lenha, palha ou
carqueja que queriam dar. Caso o dono da casa não deixasse contributo, podia
haver retaliações gravosas. Casos se contam em que foram arrancados portões de
madeira, roubadas e queimadas cancelas, charruas e arados, assim como abatidas
cerejeiras e nogueiras, árvores estimadas. A rapaziada também não admitia que
alguém se assomasse à janela e ou viesse à porta. Quando tal acontecia,
retaliava à barrocada
(pedrada)." José Rei defendia que
"esta forma estranha de louvar o
Menino Jesus integrava uma espécie de ritual de passagem dos mancebos para o
estado adulto. Mostravam eles a sua força e determinação substituindo as vacas
dos carros. Eles próprios puxavam o carro das vacas".
Hoje, os reboques e tractores são
conduzidos pelos seus donos e o trabalho faz-se num dia. Carne assada, pão e
vinho ainda hoje ajudam a terminar a montagem da fogueira.Com o andar das coisas,
a fogueira na véspera do dia de Natal terá o mesmo fim que a ribeira e os
moinhos.
José Nunes
Martins
josnumar@gmail.com
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