
Em 1960 as
pessoas da aldeia de Malcata conservavam as carnes numa arca em madeira a que
chamavam salgadeira. Em alturas de aflições fisiológicas, dependendo do lugar
onde me encontrava tinha que me desenrascar
e a loja ou o penico davam cá um jeitaço que todas as casas tinham o cuidado de
ter esse objecto ali à mão escondido dentro da mesinha de cabeceira. Às noites
as lanternas de pilhas andavam sempre connosco para irmos do Carvalhão ao
Cabeço a casa do meu avô Pires. Como o lume da lareira não era suficiente, o
meu avô tinha uma candeia pendurada na parede da cozinha. E como estudava
nesses tempos da escola primária? Um candeeiro de vidro, petróleo e uma torcida
em tecido a que se aproximava um palito ( fósforo ), iluminava a mesa e os
livros da escola.
Já quando a sede apertasse dirigia-me à cantareira, pegava no copo e mergulhava
no interior do cântaro de barro e deliciava-me a beber água que horas antes a
minha mãe tinha trazido da Fonte da Torrinha.
Passaram mais de 50 anos e o que mudou?
Malcata mantém o mesmo nome e tudo o resto já não é como era.
Portugal nestes cinquenta anos mudou e de que maneira. A nossa aldeia começou a
mudar com a chegada da electricidade. A maioria das casas aceitou as baixadas
da luz e arrumou para o sótão os velhos candeeiros e candeias. Compraram
televisores, frigoríficos, rádios elécticos, ferros de passar a roupa, máquinas
de lavar a roupa, secadores de cabelo, etc. .
Nos anos oitenta Portugal torna-se membro da Comunidade Económica Europeia.E a
vida do país começa a mudar aos poucos. Malcata também é beneficiada com
dinheiro vindo da Europa. Eis alguns exemplos:
o saneamento básico e a água nas torneiras, a construção da Etar, alargaram-se
ruas e substituíram-se as pedras desiguais e irregulares pelos cubos de granito,
renovou-se a escola primária para anos depois encerrar por falta de crianças
que a frequentassem e ainda hoje esse cenário se mantém. A Junta de Freguesia
instalou-se na antiga escola primária e mais tarde foi restaurada e até chegou a funcionar uma creche nas salas do
lado. Construiu-se uma Queijaria Tradicional, um moinho de água, a estrada foi
requalificada e corrigiram-se alguns troços mais perigosos, construiu-se a
barragem do Sabugal e uma nova ponte foi construída para manter a aldeia ligada
ao resto do mundo por via terrestre, pois que a ligação via internet também
chegou um dia ao povo.
O dinheiro ainda chegou para que alguns malcatanhos tivessem frequentado algum
curso de formação profissional, também subsidiado por algum fundo europeu.
O nível de vida da população da aldeia de Malcata melhorou e muito. Penso que
poucos saberão qual o impacto que os dinheiros da Europa tiveram no
desenvolvimento da nossa aldeia. Mas uma verdade não podemos esquecer e que
todos sentimos quando acordamos e nos vemos em Malcata:a vida em Malcata é
agora mais fácil e mais saudável, contudo mantemos o mesmo nome e a serra da
Malcata continua lá no alto e com a mesma altura, aguardando a chegada do
lince.