O Ti Eugénio, de vez em quando gostava de visitar a família que vive nesta casa em Malcata. Cheguei a vê-lo a ele e à sua família em sã e alegre conversa e além da saudação mútua pouco conversei com este senhor pois os meus pais vivem mesmo em frente. Mas nunca deixava de ler as suas crónicas publicadas no jornal Cinco Quinas, a quem lhe deu o título "Baú de Memórias". Soube que faleceu e foi uma notícia que me deixou triste. Acabei de ler no Cinco Quinas um texto escrito por um dos seus três filhos, o professor João Duarte. O jornal Cinco Quinas que me desculpe, mas vou partilhar essas palavras que expressam bem quem foi Eugénio Duarte e desta forma homenagear este homem simples, alegre, trabalhador, afável e sempre pensou por ele e agiu de acordo com as suas crenças e liberdade de pensamento. O artigo diz:
"Sei que pode parecer pretensiosismo ser um filho a
escrever um artigo sobre um pai, recentemente falecido, mas não pretendo que
estas palavras sejam interpretadas assim.
Eugénio do Santos Duarte, nascido a 25 de Abril de 1927, no Soito, era
filho de José Francisco Duarte e de Elvira dos Santos. Faleceu no passado dia
16 de Março de 2015, aos 87 anos de idade, no Soito, após internamento no
Hospital da Guarda.
Do seu pai herdou as características de homem íntegro, com convicções e amigo
do seu amigo. Quem o conheceu, sabe que não estou a mentir.
Cedo aprendeu a arte de carpinteiro com o seu pai. Trabalhou, como carpinteiro,
em diversas obras particulares e comunitárias. Muitas igrejas do concelho
foram, no que diz respeito à carpintaria, reconstruídas por ele. Também
trabalhou no antigo Cinema D. Dinis, no Sabugal. Para além disso, fazia móveis
para casas particulares. Trabalhou para pessoas ricas e para pessoas pobres,
sendo por todos estimado. Embora não fosse homem de ir à igreja, muitos padres
das freguesias onde trabalhou eram seus amigos.
Ainda criança foi viver para Quadrazais, onde terminou a 4.ª classe do Ensino
Primário. Quadrazais marcou-o muito, a tal ponto que sabia as alcunhas de toda
a gente que vivia nessa freguesia, naquele tempo. Mais tarde viveu em Aldeia
Velha, onde participou no “Passeio dos Rapazes”, um facto que o marcou e de
que, constantemente, falava. Referia ele que, tal como se dizia naqueles tempos
em Aldeia Velha, “andou a passear”.
Casou com Alice Dias Aristides e teve três filhos: o João Manuel, o Luís Carlos
e a Dulce Helena.
Tal como muitos seus contemporâneos tentou a sua sorte como emigrante em
França, para onde foi com “carta de chamada” e passaporte legal, trabalhar como
carpinteiro. Apenas foi emigrante durante nove meses, tendo regressado a
Portugal.
Dedicou-se à construção civil e trabalhou nas terras da Raia, sobretudo na
Lageosa, Aldeia do Bispo e Aldeia Velha, onde granjeou muitos amigos.
Esteve na génese das Festas de S. Cristóvão, no Soito, tendo sido por vários
anos mordomo das mesmas, a última das quais em 1988.
Amante de música, sobretudo das Bandas Filarmónicas (mas não só), era a sua
opinião que era atentamente escutada quando acontecia o concerto no adro da
igreja. A opinião do Ti Eugénio era definitiva sobre a “performance” da
Filarmónica.
Teve a suprema honra, de no dia do seu aniversário, em 1974, ter visto o país
liberto da Ditadura, que ele tinha combatido, característica que herdou do seu
pai.
Tornou-se membro do PCP, facto que nunca renegou até ao fim da sua vida, mas
era amigo de pessoas de todas as ideologias políticas ou credos religiosos.
Participou nos peditórios para a compra da “carreta funerária” que existiu no
Soito e contava, sempre, um facto muito cómico que aconteceu num desses
peditórios. Ao dirigir-se a uma determinada pessoa e perguntando-lhe se queria
ajudar nessa compra a pessoa responde: “Eu não dou nada! Eu vou a pé!”
Esteve na fundação da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do
Soito, sendo o seu sócio número 5. Foi membro de várias direcções dos Bombeiros
do Soito, nomeadamente da sua Assembleia Geral. Participou nos peditórios
iniciais realizados no Soito para a compra da primeira ambulância e foi ele o
Ti Zé Ferreiro que foram ao Porto buscar a primeira ambulância para os Bombeiros.
Foi ele que construiu, em madeira, a primeira maqueta do futuro Lar da 3.ª
Idade da Santa Casa da Misericórdia do Soito, que esteve exposta no adro da
igreja.
Quando se reformou dedicou-se a pequenos trabalhos de carpintaria, tendo
executado inúmeros artefactos, nomeadamente bancos, “irgadilhos”, mesas,
“talhadores”, etc., etc. que tiveram muita saída.
Começou a colaborar no jornal “Cinco Quinas”, em 2006, com a sua crónica mensal
“Baú da Memória”, que durou meia dúzia de anos. Nestas crónicas, sobre o século
XX do Soito (e também de Quadrazais e algumas outras terras do concelho), o Ti
Eugénio contava episódios de antigamente que tinha guardado na memória, sem
nunca ter tirado apontamentos. Cessou a sua colaboração com o “Cinco Quinas” em
2012.
Os textos sobre o Soito foram reunidos em livro, sob o título “Baú da Memória –
O Soito de Antigamente”, que já teve duas edições. O livro foi lançado em 2009
no Auditório Municipal do Sabugal. O prefácio do livro é da autoria do Director
do jornal “Cinco Quinas”, António Rito Pereira, que refere, a determinada
altura, que “ a partir de agora, sobre o século XX do Soito passa haver uma
referência indispensável de informação. É o livro do Ti Eugénio.”
A recordação que fica dele é de um homem livre, amigo do seu amigo, com fortes
convicções, com grande memória e muito sentido de humor.
João Manuel Aristides Duarte