Os poços sempre estiveram presentes no dia a dia das pessoas da aldeia de Malcata. A água foi sempre um recurso abundante no subsolo dos terrenos da nossa aldeia. E para que a água pudesse ser utilizada as pessoas abriam poços e minas. A água das minas era fácil ficar armazenada numa presa, pois, bastava que houvesse um rego limpo que o desnível do terreno fazia o resto. O mesmo não se passou com a água que brotava no fundo dos poços. As pessoas engendraram dois métodos para esvaziar os poços: a burra e a nora. Geralmente, os poços eram abertos na parte mais elevada do campo, o que facilitava a rega do campo.Claro que não foram os malcatenses os inventores das Burras ( há quem lhes chame Cegonhas ) e as Noras.
A Burra era um engenho de tirar água a pouca profundidade. Eram feitos de madeira e basicamente eram constituídos por dois troncos articulados. Um deles era fixo na vertical e em cima tinha a forma de um V. Nesta extremidade era colocado um ferro que fazia de eixo em torno do qual rodava o outro tronco que era furado a meio para poder ser trespassado
Junto aos poços faziam uma pequena presa onde despejavam o caldeiro de água para depois seguir pelo rêgo e assim poder regar o terreno.
No Vale da Fonte havia muitas burras ao longo da barroca que levava a água vinda da Fonte Velha. As hortas que ali existiam eram regadas com as burras ou com a água da fonte. As que ficavam situadas do lado direito tinham que utilizar a burra, dado que ficavam a um nível mais alto que a água vinda da fonte. As hortas e campos situados à esquerda da barroca, aproveitavam o desnível dos terrenos e armazenavam a águas nas presas entretanto construídas.
Normalmente nas hortas regava-se ao rêgo. Eram cavados vários rêgos na parcela de terra a regar. Cavava-se um principal e vários secundários que eram abertos ou fechados com terra, conduzindo assim a água, com a ajuda de um sacho. Chamava-se a isto virar o rêgo.
Água, bom terreno, bem estrumado e amanhado com muito carinho, as alfaces, as “tomatas”, as cebolas e as “cenoiras”, os alhos e os pimentos eram um manjar divino a que nenhum tomate ou pimento espanhol ainda não conseguiu alcançar. Os legumes cresciam nas hortas e quando eram levados para casa, ninguém resistia a uma deliciosa salada a acompanhar o jantar ou a ceia. Ainda hoje a qualidade das alfaces é notória e para demonstrá-lo basta guardar no frigorífico um pé de alface comprado num qualquer super ou hiper e ao lado colocar um pé de alface da horta que o meu pai tem no Vale da Fonte. O resultado é que ao fim de uma semana o bonito exemplar comprado no melhor super dos frescos, apresenta-se com folhas negras, parecem podres e impróprias para consumir e acaba por ir para o caixote do lixo. O mesmo não acontece com o pé de alface cultivado na horta do meu pai. Está sã, faz-se uma saladinha e ainda aguenta mais uns dias para uma boa e apetitosa salada. Não acreditam? Perguntem às pessoas que ainda amanham as suas hortas no Vale da Fonte.
A Burra que resta
Hoje, os hábitos estão a mudar e a agricultura está a sofrer com essa mudança. No meu entender, estas hortas e este tipo de agricultura familiar devia continuar a ser apoiada e até penso que os senhores das cadeias de distribuição alimentar têm aqui a oportunidade de dispôr no seu supermercado uns legumes de excelente sabor e qualidade. Tenho pena que não olhem para estas hortas e esta maneira de cultivar com visão de quem prefere vender produtos realmente de qualidade. Ganhavam todos aqueles que interviessem na cadeia e com certeza as hortas em Malcata seriam uma boa fonte de rendimento.
Como vêem, uma pessoa começa a escrever sobre burras ou cegonhas para tirar a água do poço e acabo a sonhar com os malcatenses a ganhar dinheiro com as alfaces e os tomates da horta.
Como, por agora, sonhar não paga qualquer taxa ou imposto, às vezes escrevo com as letras do alfabeto alguns sonhos que tenho quando daqui do Porto me foco na aldeia de Malcata. São apenas sonhos. Quem sabe se alguém os torna um dia em realidade! Afinal, todas as coisas começam com um sonho…
Nota: Faço um apelo ao dono da "burra" aqui mostrada que a mantenha como foi concebida.Um bom pau não apodrece e o ferro acaba ferrujento e desvirtua o monumento.